Na avaliação do especialista, a lei traz avanços em processos extrajudiciais. O marco legal das garantias, como é conhecida a lei 14.711/23, que tem o objetivo de baixar o custo do crédito e reduzir a inadimplência no país, ao aprimorar as regras de garantias a serem dadas em empréstimos e facilitar a retomada de bens, foi sancionado nesta terça-feira, 31.
Na avaliação de Marc Stalder, sócio da área imobiliária do Demarest Advogados, o texto da lei traz avanços jurídicos relevantes para vários segmentos e atividades econômicas, incluindo a indústria imobiliária e os mercados financeiro e de capitais, além de trazer novidades nas relações de varejo.
"As novas regras trazem alterações que podem contribuir para a redução dos custos de operações financeiras, mediante a diminuição de juros. Isso pode ocorrer por causa da celeridade e da maior previsibilidade que os processos extrajudiciais podem imprimir nas diferentes operações", diz o especialista.
"Isso não significa, no entanto, que há uma redução ou algum prejuízo na defesa dos interesses dos envolvidos ou na correção de eventuais equívocos pelo judiciário", complementa Marc Stalder.
Conforme explica o advogado, entre as mudanças previstas na lei estão:
alienação fiduciária de propriedade superveniente em garantia, isto é, uma modalidade de alienação fiduciária "de segundo grau" ou sucessiva, que permite que um mesmo imóvel seja utilizado como garantia em mais de uma transação, abrangendo as inovações, inclusive, o recarregamento da dívida e, assim, com mais recursos disponibilizados ao devedor, de forma simplificada.
figura do agente de garantia, que atuará sob um contrato de gestão de garantias e, apesar de já amplamente utilizado no mercado, não contava com previsão legal específica. Essa figura, agora tipificada com o marco legal das garantias, será designada pelos credores e poderá fazer o registro do gravame do bem, gerenciar os bens e executar a garantia, inclusive extrajudicialmente. Terá ainda poder de atuar em ações judiciais sobre o crédito garantido.
"O fato de estar previsto em lei significa que o agente de garantias traduz a incorporação ao sistema legal de um mecanismo que antes era utilizado mediante construção contratual, contribuindo com a pacificação da interpretação a respeito, impondo a sua aceitação aos entes públicos envolvidos, notadamente os registros de imóveis, e, assim, imprimindo maior segurança jurídica para sua utilização", explica Stalder.
Marco legal das garantias foi sancionado ontem.(Imagem: Freepik)
procedimentos de execução extrajudicial de dívidas garantidas com alienação fiduciária de bens móveis, mas tendo sido vetadas as regras relacionadas à busca e apreensão dos bens móveis. "Ainda que tenham sido vetadas as regras de busca e apreensão dos bens imóveis, os avanços trazidos pelo marco legal das garantias são relevantes, pois todo o processo de execução até a consolidação da propriedade poderá ser feito extrajudicialmente."
procedimentos de execução extrajudicial de créditos garantidos por hipoteca, trazendo uma nova perspectiva para a hipoteca, ampliando as possibilidades de sua utilização, notadamente no que diz respeito às regras de extinção da dívida e de paralisação do procedimento para outras formas de execução, conforme interessar ao credor; e
regras relacionadas ao concurso de credores com garantias sobre um mesmo imóvel.
"As mudanças são relevantes, incluem regras de incentivo à renegociação de dívidas, permitindo a intervenção de um tabelião de protestos para esse fim, assim como novos procedimentos de protestos de títulos e a tipificação da figura do agente de garantias, que não estava previsto na lei", diz Stalder.
Nesse contexto de extrajudicialização, o marco legal das garantias traz ainda regras que induzem a negociação para resolver dívidas. "O marco de garantias inclui regras a respeito da solução negocial prévia ao protesto de títulos e de incentivo à renegociação de dívidas, abrindo a possibilidade de uso de medidas extrajudiciais para negociações, por meio de cartórios. Ou seja, mais uma medida no intuito de permitir que o credor não precise ir à Justiça para tentar reaver valores devidos. Muitos créditos não são recuperados porque a demora e os custos dos processos judiciais podem acabar não compensando o esforço."
Outro dispositivo permite ao credor delegar a renegociação da dívida ao tabelião, que poderá enviar intimação para o devedor por meio de aplicativos de mensagem instantânea, como o WhatsApp.
"São notáveis e muito saudáveis esses novos delineamentos trazidos pela lei aos serviços extrajudiciais, como os cartórios de protestos, pois, por estarem mais próximos da população, não tenho dúvidas que podem exercer um papel mais moderno e proativo no que se refere às relações negociais. Torço para que, de fato, deixem esses serviços aquela imagem tão simbólica e representativa da burocracia e passem a agir ainda mais de forma coerentemente com os interesses daqueles que atendem, orientados aos negócios", avalia o especialista do Demarest.
O texto sancionado excluiu as regras do texto original, antes previstas na fase intermediária da tramitação do projeto de lei, sobre o penhor civil, mantendo o monopólio da Caixa Econômica Federal, o que impede a abertura de mercado nesse segmento, explica Marc Stalder.
"Foi retirada ainda a possibilidade de penhora de único imóvel de uma família, mesmo nas hipóteses que justificavam essa exceção da proteção do bem de família, objeto de intensas e legítimas discussões e retirou do rol dos direitos que poderiam ser dados em garantia os direitos minerários, algo que era esperado pelo setor pelas possibilidades que tal atributo aos direitos minerários poderiam representar nas operações das mineradoras", ressalta.
Stalder destaca também que o texto aprovado excluiu as disposições relacionadas à isenção no Imposto de Renda para aplicações feitas no Brasil por residentes no exterior, em coerência com a discussão tributária tão intensa nos últimos meses em razão da reforma em tramitação no Congresso Nacional.
Fonte: Migalhas