Ministério da Saúde, Inca, Fiocruz e Opas defendem que a reforma tributária desestimule consumo desses alimentos. A reforma tributária aprovada na Câmara dos Deputados e que agora tramita no Senado trouxe à tona o debate sobre se o governo deve dar um tratamento diferenciado a alimentos ultraprocessados e açucarados, considerados nocivos à saúde por uma gama de especialistas que enxergam relação desses alimentos com o aumento do número de casos de câncer, obesidade, entre outras condições de saúde. O próprio Ministério da Saúde, em conjunto com o Inca, a Fiocruz e Organização Pan-Americana da Saúde (Opas), publicou um documento em que defende “tributos seletivos sobre sobre o consumo que onerem mais produtos que trazem prejuízos à saúde e ao meio ambiente”.
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O texto, intitulado “Por uma política tributária nacional justa, que combata a fome e garanta alimentação adequada, saudável e sustentável”, defende que as políticas públicas de alimentação devem ser norteadas pelo Guia Alimentar para a População Brasileira, o qual, em linhas gerais, considera que os alimentos in natura e minimamente processados devem ser a base da alimentação, ao mesmo tempo que deve ser evitado o consumo de alimentos ultraprocessados.
O documento parte do contexto de que a fome atingiu 33,1 milhões de pessoas em 2022 e que a desnutrição voltou a crescer a partir de 2020 ao mesmo tempo em que a obesidade praticamente dobrou entre 2006 e 2021. Paralelamente, “ultraprocessados estão cada vez mais baratos e alimentos
in natura e minimamente processados estão cada vez mais caros”, acrescenta.
Mas por que esses alimentos se tornaram vilões? De acordo com o documento produzido pelo Ministério da Saúde em conjunto com as entidades, “quase 30% do aumento da obesidade de 2002 a 2009 se deve ao consumo de alimentos ultraprocessados. Apenas o consumo de ultraprocessados é responsável por cerca de 57 mil mortes prematuras (30 a 69 anos de idade)”. Entre outros pontos, também argumenta que “a projeção de gastos com cânceres associados ao consumo de carne processada no Brasil para 2023 é em torno de R$1 bilhão, um aumento de 160% em relação a 2018”.
Para os autores do documento, uma alimentação adequada e saudável, como proposta pelo Guia Alimentar, ainda não é considerada um parâmetro para tributar alimentos de acordo com sua essencialidade. E que em políticas de subsídios voltadas principalmente para a cesta básica, alimentos ultraprocessados como salsichas e biscoitos recebem os mesmos benefícios tributários que alimentos saudáveis, como arroz e feijão.
Nesse sentido, o documento propõe, entre outros pontos:
Ter o Guia Alimentar para a População Brasileira como orientador da política tributária para alimentos e bebidas, com alíquotas diferenciadas segundo o nível e o propósito de processamento dos alimentos. É essencial que a classificação dos alimentos esteja içada em uma base legal consistente.
Incentivos fiscais à agricultura familiar, principal meio de produção de consumo do país, devem ser prioridade, assim como incentivos à produção orgânica e de base agroecológica.
Estimular o consumo de alimentos in natura e minimamente processados por meio de concessão de subsídios e ampliação de pontos de oferta desses alimentos.
Aprimorar o sistema de não cumulatividade nos alimentos originários da produção rural, bem como na produção orgânica e agroecológica, o que promoverá a redução de tributos acumulados na cadeia e reduzirá o custo final repassado ao consumidor.
Retirar os subsídios concedidos ao longo da cadeia produtiva a produtores de bebidas e alimentos ultraprocessados.
Aplicar um tributo seletivo sobre alimentos ultraprocessados, aumentando as alíquotas de IPI, ICMS e PIS/Cofins para esses produtos e/ou criando uma Cide sobre a venda desses produtos.
Alinhar a Reforma Tributária ao Guia Alimentar para a População Brasileira, incluindo tributos seletivos sobre o consumo que onerem mais produtos que trazem prejuízos à saúde e ao meio ambiente.
Reforma tributária
A reforma tributária deixa o assunto numa espécie de limbo. Por um lado, prevê um tributo adicional direcionado a certos produtos, chamado de imposto seletivo, que teria o objetivo de desestimular o consumo de determinados bens e serviços. O texto da PEC 45/2019 inclui essa previsão no artigo 153 da Constituição e diz que esse tributo se daria sobre “a produção, comercialização ou importação de bens e serviços prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente”.
No entanto, o texto da PEC não especifica quais tipos de produtos seriam esses e deixa o tema para futura lei complementar. Ao mesmo tempo, o texto que agora tramita no Senado traz alguns dos setores que serão beneficiados com uma redução de 60% na alíquota do IBS. Entre eles estão “insumos agropecuários, alimentos destinados ao consumo humano e produtos de higiene pessoal”.
Mais uma vez o texto determina que os produtos específicos que deverão ser beneficiados deverão constar em lei complementar. Porém, afirma que o imposto seletivo não deverá incidir sobre bens e serviços que contam com redução de alíquotas.
A forma como o assunto vem sendo conduzido gerou reações dos dois lados da discussão. “Em tese, faz sentido que produtos e/ou setores extremamente relevantes para a sociedade sejam beneficiados com alíquotas reduzidas e, logo, não possam ser sobretaxados. Ocorre que, na prática, foi uma estratégia encontrada pela indústria para escapar do imposto seletivo”, argumentaram Marcello Fragano Baird, coordenador de advocacy da ACT Promoção da Saúde, Thiago Barreto, secretário-executivo da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), em artigo publicado no JOTA. “Assim, a depender de como ficará a regulamentação, alimentos ultraprocessados, comprovadamente nocivos à saúde, ou agrotóxicos não poderão ser desincentivados por uma tributação majorada do seletivo”, acrescentam.
Do outro lado, a indústria de alimentos rechaça a ideia de que alimentos ultraprocessados são necessariamente nocivos à saúde. “O fato de um alimento ser mais ou menos nutritivo não tem nada a ver com ele ser processado ou não”, disse ao JOTA o presidente executivo da Associação Brasileira da Indústria de Alimentos (Abia), João Dornellas.
Em posicionamento oficial, a ABIA defende que “diante do cenário de insegurança alimentar, não é cabível aceitar o aumento de carga tributária sobre qualquer tipo de alimento, considerando que todos possuem valor nutricional e fazem parte da composição do prato da população brasileira”.