Confira o impacto da reforma tributária nas empresas brasileiras de acordo com especialistas.
A reforma tributária, aprovada pela Câmara dos Deputados na madrugada da última sexta-feira (7), pretende simplificar a cobrança de impostos no país.
Segundo a proposta, cinco tributos serão substituídos por dois, chamados Impostos sobre Valor Agregado (IVAs). Um será gerenciado pela União e o outro terá gestão compartilhada entre estados e municípios.
Para valer, a reforma ainda precisa passar pelo Senado e ser sancionada pelo presidente Lula. Ela também prevê um período de transição de sete anos, entre 2026 e 2032.
Além disso, ainda não foi definida a alíquota do IVA, ou seja, o percentual que será aplicado para calcular o valor do imposto.
Com isso, a primeira pergunta que surge é quem será impactado com a reforma tributária. Inicialmente, micro e pequenas empresas não serão obrigadas a aderir às mudanças, mas podem ter impactos indiretos, ao contrário dos negócios de médio porte, que serão diretamente afetados.
Advogados tributaristas ouvidos pelo g1 analisaram os principais pontos propostos na reforma tributária para explicar de que forma eles poderão afetar os empreendedores.
De forma geral, especialistas entendem que a reforma poderá beneficiar empreendedores, na medida em que, com menos impostos, eles vão gastar menos tempo e dinheiro para cumprir essas obrigações;
Os especialistas destacaram também o fim da tal "bitributação": as empresas poderiam pagar o imposto com um "desconto" do valor que já foi pago numa etapa anterior da cadeia produtiva;
Para alguns especialistas, esse benefício poderia atrair até quem faz parte do Simples Nacional. Ou seja, pequenos empreendedores poderiam optar por deixar o sistema simplificado para aderir ao IVA e não perderem competitividade;
Tudo depende da atividade da empresa e do quanto ela conseguiria de “descontos” no imposto pago em outras etapas da produção. Isso porque, apesar de a alíquota do IVA ainda não ter sido definida, a carga deverá ser maior do que a do Simples, explica o advogado Aristóteles de Queiroz Camara;
Um consenso entre os especialistas é que, para prestadores de serviço, o fim dessa cobrança repetida de um imposto não representaria uma vantagem tão grande porque seus maiores gastos não dependem de uma cadeia de produção, onde se pode conseguir "desconto" em etapas anteriores.
Micro e pequenas empresas não estão inclusas
Neste primeiro momento, a reforma tributária está centrada no consumo, ou seja, nos impostos sobre bens e serviços. Dessa forma, se entrar em vigor, vai afetar empresas, indústrias e prestadores de serviço, com exceção daqueles que podem optar pelo Simples Nacional.
Mesmo com a reforma, as empresas que atendem aos critérios do regime poderão continuar optando pelo Simples Nacional, sem alterar a forma como já pagam os impostos.
Alguns especialistas ouvidos pelo g1 entendem que continuar no Simples pode fazer alguns pequenos negócios perderem a competitividade. Este seria um impacto indireto da reforma.
Fim da 'bitributação'
Apesar de não existir ainda a alíquota do IVA, o secretário extraordinário da Reforma Tributária do Ministério da Fazenda, Bernard Appy, estima que ela seria de 25%. Se confirmada, será uma das maiores alíquotas do mundo.
No entanto, a proposta é que o IVA tenha um mecanismo que faça com que sua cobrança não seja cumulativa ao longo da cadeia de produção, evitando a tal "bitributação".
Dessa forma, na hora de pagar o imposto, a empresa "descontaria” o valor que já foi pago em etapas anteriores da cadeia produtiva e pagaria apenas o imposto sobre o valor que adicionou na sua etapa de produção (daí vem o nome de imposto sobre valor adicionado, IVA).
É como se o imposto pago em cada etapa do processo gerasse um "crédito tributário" para a empresa que comprou a mercadoria ou o serviço.
Pequenas empresas serão atraídas para o IVA?
Neste cenário, a tendência é que, mesmo empresas que podem optar pelo Simples Nacional, migrem para o novo sistema o sócio da área tributária de Lino Dias Coelho Advogados, segundo Rogério Gaspari Coelho.
“É mais transparente, permitindo que se eliminem resíduos tributários da cadeia de produção e que os contribuintes saibam exatamente quanto tributo estão recolhendo, o que facilita o planejamento", avalia.
A advogada e assessora jurídica da FecomercioSP, Sarina Manata, acredita que o fim da bitributação poderia até resultar em perda de competitividade para pequenos fornecedores, já que empresas podem preferir comprar produtos de quem consiga gerar esse "crédito" na cadeia de produção.
Já o sócio do Serur Advogados, Aristóteles Camara, alerta que deixar o Simples não seria uma vantagem para todo pequeno negócio.
"Se a empresa preferir migrar, ela vai ter uma carga tributária maior (do que no Simples)", pontua.
"Na atividade dela, se ela comprar muitos insumos e esses insumos gerarem 'crédito' (permitirem não pagar o imposto que já foi pago em etapa anterior), é possível que ela tenha vantagens de migrar para o novo sistema", resume Camara.
O presidente do Sebrae, Decio Lima, ressalta que é "muito positivo" que os micro e pequenos empreendedores possam continuar pagando seus impostos por meio do Simples Nacional.
Mas acredita que, para garantir a competitividade desses negócios, o Simples deveria se adequar à nova realidade trazida pela reforma, ou seja, também permitir "descontar" impostos pagos ao longo da cadeia de produção.
Como ficam as empresas médias
Empresas médias, cujo faturamento anual fica entre R$ 4,8 milhões e R$ 78 milhões, e as que faturam acima disso, estão fora dos requisitos para aderir ao Simples. Portanto, terão, obrigatoriamente, que mudar a forma como pagam seus impostos, sendo diretamente afetadas pela reforma.
No caso delas, o tamanho desse impacto também vai depender do tipo de produto ou serviço que a empresa oferece.
Independentemente do tamanho da empresa, a proposta prevê uma cobrança menor de impostos para alguns setores, como medicamentos e serviços de transporte público coletivo, por exemplo.
Por outro lado, inclui a criação de um imposto seletivo sobre bens e serviços prejudiciais à saúde e ao meio ambiente (como cigarros e bebidas alcoólicas), apelidado de "imposto do pecado".
Menos burocracia?
O Ministério da Fazenda espera que a reforma tributária reduza a burocracia. Nesse sentido, as empresas poderiam se beneficiar ao gastarem menos tempo e dinheiro para cumprir as obrigações tributárias.
Empresas brasileiras gastam em média 1.501 horas por ano com essas obrigações, um intervalo de tempo maior do que em qualquer outro país do mundo, segundo o relatório Doing Business Subnacional Brasil 2021, produzido pelo Banco Mundial.
“Além de um grande número de tributos, essas empresas ainda precisam transmitir declarações e cumprir regras que mudam de acordo com o produto, etapa da cadeia de comercialização, procedência do produto (nacional ou importado)...", relata o gerente sênior da empresa de consultoria empresarial Tax da Mazars, Rafael Lima.
Coelho, aponta ainda que atualmente, há empresas que evitam crescer para não sair do Simples, dado o grau de complexidade de nosso sistema tributário.
No entanto, para a advogada da FecomercioSP, juntar impostos não necessariamente significa uma simplificação imediata do sistema.
“No período de transição para o novo modelo, de sete anos, eu teria que cumprir todas as obrigações do regime atual e obrigações acessórias do regime novo. Então, nesse período, eu não tenho uma simplificação, tenho aumento de complexidade", avalia Sarina.
“Depois disso, ter menos tributos, eu concordo, pode trazer simplificação. Mas a gente ainda não sabe a alíquota, a base de cálculo, tudo isso vai vir em legislação infraconstitucional. Estamos às cegas”, completa a advogada.
Fonte: g1