Vídeos com críticas ou que debocham do emprego também geraram demissões. Judiciário tem concordado com empresas. O lema “trabalhe enquanto eles dormem” envelheceu mal nas redes sociais. Nos últimos meses, usuários postaram diversos vídeos com críticas ou deboches ao seus trabalhos. Para quem descuida dos limites entre o público e o privado, é bom ficar atento: os chefes também podem estar no TikTok – ou ficar sabendo de um desabafo mais efusivo.
Vídeos com críticas ao ambiente de trabalho ou que expõem a empresa têm gerado demissões por justa causa. E para a Justiça do Trabalho, as decisões das empregadoras em demitir sem pagar certos direitos são irretocáveis e não merecem reparo. Por causa das postagens, trabalhadores são dispensados sem receber o pagamento de férias acumuladas, 13º salário e multa do FGTS, entre outros direitos.
Em teoria, segundo a legislação trabalhista, não é preciso que a crítica ao empregador aconteça diante de um público elevado. O risco cresce nas redes porque, mesmo com poucos seguidores, quem tem perfis públicos está sujeito a ver a própria postagem viralizar.
No TikTok, principalmente, todos são capazes de se tornar um criador de conteúdo que alcance um grande público. Tanto melhor quando a audiência se identifica, ri ou se surpreende com o que assiste – logo, compartilha com a sua rede.
Prova disso foi um caso de repercussão há alguns meses: uma jovem que, após a audiência que movia contra a ex-empregadora, publicou um vídeo no TikTok com a legenda “eu e minhas amigas indo processar a empresa tóxica”. No caso, as amigas eram testemunhas no processo. A juíza viu o post, não gostou e rejeitou os depoimentos delas como provas.
Entre os 13 motivos que a CLT admite para a dispensa por justa causa, estão o de o empregado desempenhar “ato lesivo da honra ou da boa fama” do empregador ou superiores hierárquicos, insubordinação e má conduta – conforme consta no artigo 482. São nesses itens em que geralmente são baseadas as demissões de quem usa as redes sociais para falar mal do trabalho.
Foi esse o caso de uma técnica de enfermagem que trabalhava em um hospital público de Taboão da Serra, na Grande São Paulo. Ela recebeu uma advertência por ter “agido de forma grosseira com o plantonista, alterando a voz e respondendo com arrogância”.
Com o documento em mãos, ela produziu um vídeo cuja trilha sonora era o piseiro (estilo musical derivado do forró) “Passinho Debochado”, de Dan Ventura. A letra diz “Não gosta da minha cara, do meu jeito debochado/ Sinto muito, olha como eu tô preocupado”.
Nesse caso, o motivo para a justa causa foi insubordinação, após sete anos de trabalho para a Associação Paulista para o Desenvolvimento da Medicina, que presta serviços de operação hospitalar para a prefeitura.
A técnica buscou a Justiça para tentar reverter a demissão, além do reconhecimento de horas extras, mas os pedidos foram rejeitados pela juíza Marina Junqueira Netto de Azevedo Barros, da 2ª Vara do Trabalho de Taboão da Serra.
Em outro caso, uma equipe de enfermagem de uma das unidades hospitalares da rede Prevent Sênior em São Paulo postou um vídeo no TikTok em que apareceram uniformizados e, segundo a empresa, “simulam atos sexuais e libidinosos no interior de um local de atendimento de pacientes, durante o expediente de trabalho”.
Uma das técnicas dispensadas buscou a Justiça do Trabalho para tentar reverter a justa causa, mas o pedido foi negado pela juíza Juliana Ferreira de Morais, da 2ª Vara do Trabalho de Santos. A mulher era responsável pela coleta de exames laboratoriais. Para a juíza, as gravações não se tratam de brincadeira ou dança de funk, como alegado.
A técnica que entrou com a ação não aparece no vídeo publicado no TikTok, mas emprestou o celular para que os colegas gravassem, “sob a justificativa de que, por se tratar de iPhone, a resolução era melhor”, como afirma a juíza na decisão. A interpretação foi mantida pela 18ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (TRT2), em São Paulo.
“Não há muitas dúvidas sobre a aplicação da justa causa nessas situações, porque a CLT é clara em dizer que não pode desabonar a empresa ou superiores. Na prática, nem é preciso identificar a empresa se todo mundo sabe que você trabalha ali”, explica a advogada Ana Carolina Machado Lima, coordenadora da área trabalhista do escritório SGMP Advogados, em Vitória. A mesma lógica vale para críticas em grupos de WhatsApp, se elas chegarem à empresa.
fonte: Jota