Combate ao racismo e o sistema tributário brasileiro

Sistema acentua desigualdade ao tributar mais aqueles que têm menos condições de contribuir: negras e negros. No dia 21 de março, celebra-se o Dia Internacional contra a Discriminação Racial. A data remete ao Massacre de Shaperville, na África do Sul, ocorrido neste dia em 1960, quando a polícia do regime do apartheid abriu fogo contra uma multidão de 20 mil pessoas que protestavam contra a “lei do passe”, que obrigava os negros a portar uma espécie de passaporte, indicativo dos lugares que poderiam circular. Foram mortas 69 pessoas, e 186 ficaram feridas.

Trata-se de mais uma data para relembrar os sofrimentos das negras e negros ao longo da história. E ainda sofrem.

De fato, como “popularmente” se diz nos dias atuais, não basta se declarar “não racista”. Há de se abraçar e exercer ideias e atos não racistas. Negros, brancos, populações tradicionais, todos humanos. Todos respiram o mesmo ar e habitam este pequeno planeta. O racismo deve ser combatido para que todos possam se unir e coexistirem em harmonia.


No Brasil, não é diferente. Há exemplos flagrantes e diários do racismo estrutural que grassam na nossa sociedade. Por isso, devemos incentivar e louvar ações afirmativas, que abrem a possibilidade para que negras e negros possam participar ativamente da sociedade, não apenas para melhorar sua condição socioeconômica, como dando condições para que possam exercer, por exemplo, cargos de liderança e aconselhamento.

Mas, caro leitor, você deve estar se indagando: “O que o combate ao racismo tem a ver com a tributação?”

Ora, tem tudo a ver.

É fato notório que a tributação brasileira está voltada para o consumo. Na prática, o consumidor final arca com o peso dos tributos no país, incluídos nos preços de produtos e serviços.

Em tese, o preço é o mesmo para as pessoas, o que leva à falsa sensação de que o tributo atinge a todos da mesma maneira, sem discriminação alguma.

Dando um exemplo atual: os tributos federais incidentes sobre um litro de gasolina (IRPJ, CSLL, PIS, Cofins, Cide e Contribuição Social Previdenciária) são os mesmos, não importa quem abasteça e qual o veículo abastecido.

Na prática, não é assim.

O impacto desses tributos sobre um assalariado que ganha, por exemplo, R$ 2.500 por mês é muito maior do que naquele que tem rendimentos 10, 20 ou 30 vezes maior.

Tributar no consumo significa tributar mais, justamente, a base da pirâmide econômica social. Proporcionalmente, quem ganha menos acaba por contribuir com uma parcela maior de seus rendimentos do que quem ganha mais. Ou seja, quanto menor o ganho, maior o impacto tributário.

Essa realidade, trazida para o recorte racial brasileiro, evidencia um grave problema.

Segundo dados do IBGE divulgados em 2019, entre os 10% mais pobres da população, 75,2% são negros. E esse número certamente aumentou, pois, segundo o órgão, a desigualdade racial no mercado de trabalho foi acentuada pela pandemia da Covid-19.

Se os dados demonstram que a base da pirâmide socieconômica brasileira é a que mais contribui, proporcionalmente, com os tributos e se essa base é formada, em sua maioria, por negras e negros, então temos que estes são os que mais contribuem para a arrecadação no país.

Indago, caro leitor, isso é justo? Certamente, a resposta é NÃO.

Ainda mais se considerarmos o artigo 3º da Constituição:

Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
I – construir uma sociedade livre, justa e solidária;
II – garantir o desenvolvimento nacional;
III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;
IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

Continuar a promover a tributação no consumo, como vem sendo realizado, é agir contra o artigo 3.º da nossa Carta Magna.

Infelizmente, até hoje, o sistema tributário brasileiro acentua, ainda mais, a desigualdade social e racial brasileira, ao tributar mais aqueles que têm menos condições de contribuir: negras e negros.

Debater e promover a revisão do nosso sistema tributário também é uma forma de combater o racismo. Deveria haver vontade política na “reforma” tributária debatida no Congresso Nacional de promover uma revisão geral da incidência de tributos sobre os produtos, considerando-se as particularidades existentes, inclusive as raciais, para que a justiça tributária seja alcançada.

A sociedade civil, por sua vez, deve sempre ter esse tema em voga, para que possamos, algum dia, construir uma sociedade livre, justa e solidária, promovendo o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

Fonte: JOTA | CRISTIANO SCORVO CONCEIÇÃO

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