Reforma reduz distinções no mercado financeiro, mas pode afastar investimento

Proposta de reforma do IR acaba com a tributação escalonada e come-cotas duas vezes ao ano
Embora a proposta de reforma do Imposto de Renda tente equilibrar algumas distinções no mercado financeiro, a alteração nas alíquotas e isenções podem afastar os investimentos, apontam especialistas do setor. Para reduzir as distorções, o projeto propõe a unificação da alíquota de fundos de investimento e renda fixa em 15%, acabando com a tributação escalonada e o come-cotas duas vezes ao ano.

No entanto, fontes ouvidas pelo JOTA afirmam que as medidas acabam com incentivos e especificidades que tornavam determinados fundos atrativos, como é o caso dos fundos de imobiliários. O projeto prevê o fim da isenção sobre os rendimentos distribuídos aos cotistas, que passarão a ser tributados à alíquota de 15%. Também é o caso dos fundos fechados, que pelo projeto estarão sujeitos ao come-cotas.

O texto do Projeto de Lei 2337/2021, entregue ao Congresso pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, propõe um modelo uniformizado nas operações em bolsa de valores, com alíquotas em 15% em todos os mercados e apuração trimestral. Atualmente, a apuração é mensal e a alíquota é de 15% em mercados à vista, a termo, de opções e de futuros e 20% para day-trade e cotas de Fundos em Investimentos Imobiliários (FIIs).

Também são previstas mudanças nas compensações de resultados negativos, que hoje são limitadas entre operações de mesma alíquota. O projeto define que essas compensações poderão ocorrer entre todas as operações, inclusive day-trade e cotas de fundos negociadas em bolsa.

Um dos pontos de maior preocupação do setor, entretanto, é a taxação dos dividendos, que é hoje isenta de Imposto de Renda e, pelo projeto, terá alíquota de 20% na fonte pagadora. Para advogados, a medida pode fazer com que as empresas retenham os lucros para investir no futuro.

A isenção é mantida no projeto apenas para as microempresas e empresas de pequeno porte, com rendimentos de até R$ 20 mil por mês. O PL também prevê o fim da dedução dos valores de Juros Sobre Capital Próprio (JCP), benefício muito usado por empresas do setor financeiro.

De acordo com a Associação Brasileira das Companhias Abertas (Abrasca), a alíquota de 20% sobre o dividendo pode afastar o investidor. “O investidor vai querer comprar um título que não tem garantia, que é de risco e depende do lucro da empresa, e ainda pagar na fonte 20%?”, questiona Luis Henrique Guimarães, presidente do conselho diretor da associação.

Em comparação com o Certificado de Depósito Bancário (CDB), que é um investimento de renda fixa com alíquota é de 15%, Guimarães afirma que o percentual de 20% “alija o produto que as companhias abertas usam para se financiar e vender suas ações, porque para o investidor passa a percepção de que é mais caro o rendimento na ação com um tributo maior”.

A associação trabalha na produção de cerca de 28 emendas ao PL 2337/2021. Uma delas defenderá a adoção de um regime de consolidação fiscal, acabando com o “efeito cascata” a partir da tributação de várias empresas ligadas entre si. Outra emenda vai propor a segregação e sua tributação conforme as regras no ano em que o resultado é gerado.

“Quando forem distribuídos, os lucros da empresa até dezembro de 2021 não podem sofrer a retenção do dividendo na fonte. Isso deve valer para frente. Ou, de acordo com o PL, o lucro que já foi tributado a 34% sofrerá incidência de mais 20%”, diz.

Mais implicações
Embora tenha colocado o setor em alerta, o projeto não é todo ruim, segundo especialistas. O advogado Luis Henrique Costa, sócio do BMA Advogados, afirma que a reforma tenta suprir algumas distinções de investimentos dentro do mercado de renda variável, como era o caso de day-trade. Ele destaca que a mudança na apuração – que de mensal passará a ser a trimestral – é positiva para “garantir mais tempo na análise de ganhos e perdas”.

Daniel Loria, sócio do Stocche Forbes e pesquisador do núcleo de tributação do Insper, entende que a alíquota única em 15% “retira o viés mais intervencionista do governo”, mas aponta a questão arrecadatória da medida. “O governo propôs a alíquota em 15% porque é o piso no Brasil, mas isso implica numa renúncia tributária grande. Esse é um dos drivers para ter tributado tão fortemente o lucro corporativo, que será quase 43% do lucro distribuído a partir de 2023”, explica.

A percepção do advogado é de que não está claro como o governo chegou nos cálculos das alíquotas, tendo um desequilíbrio grande no mercado de capitais e nas ações a favor do mercado de crédito. A tendência, diz Loria, é que o investidor prefira fazer crédito privado ao invés de colocar o dinheiro na bolsa.

“As empresas vão se financiar cada vez mais com dívida, vão procurar captar cada vez mais no mercado financeiro e cada vez menos no mercado de capitais. É preciso pensar enquanto país nas consequências de manter uma alíquota tão baixa no mercado financeiro e tão alta no investimento produtivo das empresas”, aponta.

A calibragem das alíquotas já chegou aos ouvidos do ministro Paulo Guedes, que disse que a equipe não “tem compromisso com erros eventuais de calibragem na dose desses movimentos”. “O importante é o que nós estamos sinalizando menos impostos para as empresas, mais impostos para os rendimentos de capital, menos impostos para os assalariados, principalmente os salários baixos”, afirmou no dia 26 de junho.

A declaração foi interpretada de duas formas: há espaço para que as alíquotas sejam alteradas em diálogo com o Congresso ou o governo não tem como informar o caminho que o levou a decidir pelos percentuais.

Come-cotas
Para os fundos de investimentos, a principal alteração será no chamado come-cotas, apelido dado à cobrança antecipada do Imposto de Renda nos fundos. Atualmente, a cobrança acontece duas vezes ao ano, nos meses de maio e novembro, e o projeto diminui para periodicidade anual — apenas em novembro.

Outra mudança no projeto é a previsão do come-cotas nos fundos fechados, muito usados para planejamento patrimonial e sucessório.

Veja abaixo quais são as propostas para os fundos de investimentos:

Fundos abertos
É prevista alíquota única de 15%. O PL acaba com o come-cotas em maio e determina o fim do escalonamento de alíquota de 22,5% a 15% pela duração do investimento. Os rendimentos produzidos até 31 de dezembro de 2021 serão tributados pela alíquota vigente na data – mesmo que os rendimentos sejam distribuídos no exercício financeiro seguinte.

Fundos fechados/exclusivos
Os rendimentos de fundos fechados passarão a ser tributáveis com alíquota única de 15%. Também haverá aplicação do come-cotas uma vez por ano, garantindo tratamento igual ao dos fundos abertos.

Além disso, os valores em estoque em 1º de janeiro de 2022 serão tributados à alíquota de 15%. O recolhimento da alíquota poderá ser reduzido a 10%, “se o contribuinte pagá-la em cota única até o terceiro dia útil subsequente ao decêndio de ocorrência do fato gerador”, diz o projeto.

Para a tributarista Ivana Marcon, do Baptista Luz Advogados, o projeto é negativo para quem tem cota nesse tipo de fundo. “Tem gente com estrutura de fundo fechado há dez, 20 anos. O PL prevê a tributação de todo o estoque, vai dar um ‘caminhão’ de imposto para pagar”, exemplifica.

Fundos de investimentos imobiliários (FIIs)
É previsto o fim da isenção sobre os rendimentos distribuídos às pessoas físicas por FII com cotas negociadas em bolsa a partir de 2022. Quanto à alíquota, foi estabelecido o percentual de 15% na distribuição de rendimentos, amortização e alienação de cotas. Antes era 20%.

“Antes da pandemia esse tipo de investimento estava em alta, tendo como contrapartida a isenção da pessoa física quando o fundo fosse listado em bolsa. Hoje, para fundo que não cumpre os requisitos da isenção, o rendimento é tributado a 20%. O projeto acaba com a isenção e nivela o rendimento aos outros fundos em 15%, o que vai impactar com o estímulo”, afirma Ivana Marcon.

Além disso, uma das assimetrias do projeto, segundo advogados, é a manutenção da isenção para Letras de Crédito Imobiliário (LCIs) e Letras de Crédito do Agronegócio (LCAs), que também são fontes de investimento indireto no fundo imobiliário.

Fundos de investimentos em participações (FIP)
Está sujeito à tributação aplicável às pessoas jurídicas o fundo em participações que não esteja qualificado como “entidade de investimento”, conforme as normas estabelecidas pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM). De acordo com o projeto, os rendimentos e ganhos que não tenham sido distribuídos aos cotistas até 1º de janeiro de 2022 ficam sujeitos à incidência do IR na fonte à alíquota de 15%.

Fonte: Jota

 

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