O Labirinto da Responsabilidade Empresarial: Grupo Econômico vs. Sucessão Empresarial em Débitos Trabalhistas

O Labirinto da Responsabilidade Empresarial: Grupo Econômico vs. Sucessão Empresarial em Débitos Trabalhistas

O mundo corporativo é repleto de intricadas relações jurídicas e comerciais, cuja complexidade pode culminar em responsabilidades legais muitas vezes imprevistas. Num caso1 em que assumimos a cobrança de uma indenização trabalhista imposta há 20 anos, e que atinge mais de 1 milhão de reais, recentemente conseguimos a inclusão de uma outra empresa na condição de responsável pela dívida, mesmo não sendo ela integrante de grupo econômico com a devedora principal.

O Caso Real em Questão

Em junho de 1997, a Empresa A passou por uma cisão parcial, na qual alguns de seus imóveis foram vertidos para a constituição da Empresa B, uma organização focada na administração de patrimônio. Em 2003, a Empresa A foi condenada a pagar uma indenização por um acidente de trabalho ocorrido em 1991. Em 2013, a Empresa A teve sua falência decretada e, desde então, o crédito do reclamante encontra-se habilitado naquele processo, no aguardo de pagamento, sem que haja qualquer certeza de que a massa falida será suficiente para tanto.

Aqui, o ponto de inflexão: poderia a Empresa B ser responsabilizada?

Grupo Econômico após a Reforma Trabalhista

A Reforma Trabalhista de 2017 no Brasil, implementada pela Lei 13.467/2017, trouxe várias mudanças significativas ao ambiente de trabalho e às relações de emprego no país. Uma dessas mudanças foi em relação ao conceito de "grupo econômico" e sua relevância no Direito do Trabalho.

Antes da Reforma Trabalhista, a Justiça frequentemente reconhecia a existência de um grupo econômico mesmo com base em critérios bastante amplos, como a mera coordenação entre empresas. Com o advento da Reforma, o artigo 2º da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) foi alterado para adicionar o §3º, que estabelece critérios mais específicos para o reconhecimento de grupos econômicos. Segundo este parágrafo:

Forma§ 3º Não caracteriza grupo econômico a mera identidade de sócios, sendo necessárias, para a configuração do grupo, a demonstração do interesse integrado, a efetiva comunhão de interesses e a atuação conjunta das empresas dele integrantes.

De acordo com essa alteração:

 Interesse Integrado: Para que diferentes empresas sejam consideradas parte de um grupo econômico, deve haver um "interesse integrado" entre elas.

Comunhão de Interesses: Além disso, deve haver uma "efetiva comunhão de interesses" entre as empresas.

Atuação Conjunta: Finalmente, deve haver uma "atuação conjunta" das empresas para que sejam consideradas um grupo econômico.

Isso significa que a mera identidade de sócios, como havia no caso concreto, não é suficiente para estabelecer a existência de um grupo econômico no contexto do Direito do Trabalho. A intenção da reforma foi, em parte, limitar o escopo para o reconhecimento de grupos econômicos, de modo a evitar que empresas com relações mais tênues fossem automaticamente consideradas responsáveis pelas obrigações trabalhistas de outras empresas.

ucessão Empresarial na Lei das S/A

Por outro lado, pela Lei das S/A (Lei 6.404/76), a empresa resultante de uma cisão pode, de fato, assumir responsabilidades pelas obrigações da empresa cindida, sendo que extensão dessa responsabilidade dependerá de vários fatores, como o plano de cisão aprovado pelos acionistas e as disposições contratuais relacionadas à cisão.

 De acordo com o artigo 233 da Lei 6.404/76:

 Forma"A companhia que absorver parcela do patrimônio de outra, de modo a tornar-se titular de algum estabelecimento, responderá solidariamente com a cindida pelos tributos, relativos a esse estabelecimento, cujo fato gerador tenha ocorrido até a data do arquivamento dos atos da cisão."

 Isso sugere que, em casos de cisão onde parte do patrimônio é transferido para outra empresa, essa empresa pode ser considerada responsável solidária pelos tributos relativos ao estabelecimento cedido, se o fato gerador desses tributos tiver ocorrido antes da cisão ser completada oficialmente.

Em relação a outras obrigações que não são tributárias – como é o caso das indenizações trabalhistas – o plano de cisão deve especificar como tais responsabilidades serão divididas entre as empresas resultantes. Se o plano de cisão não isentar explicitamente a nova empresa de responsabilidades pela dívida anterior da empresa cindida, é possível que a nova empresa seja responsabilizada.

Distinções Cruciais

Enquanto a responsabilidade no âmbito do grupo econômico se ancora no Direito do Trabalho, a sucessão empresarial é um constructo do Direito Societário.

 No contexto de grupos econômicos a comprovação de um efetivo entrelaçamento operacional e de interesses é vital; em contrapartida, a sucessão empresarial na Lei das S/A não requer tal comprovação.

A responsabilidade por grupo econômico poderia, teoricamente, estender-se a qualquer tipo de obrigação da empresa-mãe, enquanto na sucessão empresarial, a responsabilidade é, muitas vezes, limitada aos ativos específicos transferidos.

Foi exatamente o que ocorreu no caso prático.

Embora tivesse rejeitado o reconhecimento do grupo econômico por falta de comprovação dos requisitos presentes no artigo 3º da CLT, com as alterações introduzidas pela Lei Lei 13.467/2017, o juiz determinou a inclusão da Empresa B por ser ela sucessora (e responsável patrimonial) das obrigações que tinha a Empresa A à época da cisão.

Navegando pela Complexidade

O planejamento patrimonial eficiente é uma questão que transcende a mera organização dos ativos; ele exige um entendimento apurado de diversos institutos jurídicos que podem afetar sua eficácia.

No caso prático, as complexidades dos dois regimes legais tornam-se evidentes. A escolha estratégica entre contestar a inclusão da Empresa B com base no conceito de grupo econômico ou focar na limitação de responsabilidades segundo a Lei das S/A requer um entendimento profundo e especializado das nuances do nosso ordenamento jurídico.

É essencial que empresários e diretores estejam atentos a essas complexidades e contem com o assessoramento jurídico qualificado, especialmente em operações de reestruturação e planejamento patrimonial. Afinal, entender as sutilezas do Direito pode ser o diferencial entre uma gestão patrimonial segura e uma exposição indesejada a riscos legais.

Lições para o Empresário

Planejamento Prudente: Avalie cuidadosamente as potenciais responsabilidades que podem ser transferidas durante qualquer movimentação de ativos ou reorganização empresarial.

Assessoria Jurídica: O valor de uma consultoria especializada é imensurável para identificar e mitigar riscos associados.

Atenção às Mudanças Legislativas: As leis estão em constante evolução. Um plano eficaz hoje pode não ser amanhã.

 Conclusão

O planejamento patrimonial vai muito além da alocação de ativos; ele demanda um conhecimento profundo de diversas áreas do direito. Ignorar esses aspectos pode ser tão arriscado quanto não fazer nenhum planejamento.

Para aqueles que buscam um planejamento patrimonial bem estruturado e proteção eficaz de ativos, este caso serve como um valioso ponto de aprendizado.

Eduardo Pires

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