A recuperação judicial também serve às micro e pequenas empresas?

A recuperação judicial também serve às micro e pequenas empresas?

 A notícia do rombo bilionário nas Lojas Americanas, e o pedido de recuperação judicial dela, abalaram o mercado nos últimos dias e trouxeram uma reflexão: afinal, a quem serve um pedido de recuperação judicial?

No mês passado, o mercado financeiro entrou em polvorosa após as Americanas, gigante do varejo brasileiro cujos principais acionistas são os icônicos Jorge Paulo Lehman, Beto Sicupira e Marcel Telles, os quais são sempre lembrados como “fundadores” do mercado financeiro nacional. 

Segundo se constatou até agora, a boa e velha “contabilidade criativa” teria sido responsável por ocultar um rombo de 20 bilhões de reais que, por sua vez, poderia causar o vencimento antecipado de dívidas da empresa, num total de quase 43 bilhões, tornando-a completamente insolvente, e colocando em risco, além de milhares de trabalhadores diretos e indiretos, os acionistas minoritários e o próprio mercado financeiro. 

Longe de pretender entrar no mérito das causas do pedido de recuperação das Americanas, ou mesmo como serão apuradas as (evidentes) responsabilidades, a ideia deste texto é apenas ponderar se a recuperação judicial é instrumento voltado somente às grandes empresas em de risco de quebra. 

Evidente que não!

No atual momento de juros altos, risco de recessão, possível aumento da carga tributária para financiar as políticas do novo governo, e o reflexo econômico tardio da pandemia, muitas empresas e empresários vem experimentando grandes dificuldades para manter as contas em dia e o negócio de pé.

Em 2020 e 2021, quando se esperava uma avalanche de pedidos de recuperação por conta e obra da pandemia, os programas de crédito facilitados e a maior disposição de negociação entre as partes acabaram impedindo que isso ocorresse.

Contudo, com a “normalização” das taxas de juros e o cenário de incerteza que ainda ronda o mercado, segurando investimentos e a taxa de crescimento, várias empresas, especialmente aquelas que dependem de crédito bancário, e que ainda não viram deslanchar suas vendas, já começam a analisar eventuais alternativas, até mesmo o encerramento das atividades.

Nesse mar de incertezas, a recuperação judicial para micro e pequenas empresas, embora ainda encontre resistência por parte dos empresários, por uma questão cultural, pode sim ser uma alternativa mais controlada e segura para a crise financeira, possibilitando o salvamento do negócio.

É óbvio que há uma série de condições e pressupostos para que o pedido possa ser levado a juízo, assim como o próprio risco de ser decretada a falência antes mesmo da concessão da recuperação. De qualquer modo, nada justifica que a alternativa da recuperação não seja ao menos estudada.

 De modo geral, empresas que caminham para a autofalência seguem um roteiro muito similar: suspensão do pagamento tributos, atrasos no pagamento de fornecedores e funcionários, obtenção de financiamentos a qualquer taxa de juros.

 A Lei de Recuperações e Falências, que já havia sido alterada em 2014, com acréscimo de vários benefícios às micro e pequenas empresas, sofreu nova alteração em 2020, e facilitou também a solução extrajudicial. Diferente da recuperação judicial, na extrajudicial a empresa devedora pode escolher com quais credores ou classe quer negociar, ou mesmo todos, sem que haja interferência do juiz. Só após a aprovação dos credores, o plano é submetido à Justiça para que seja homologado.

Em linhas gerais, após o deferimento do pedido, a empresa deverá apresentar um plano de recuperação que seja economicamente viável no prazo de 60 dias. Durante o prazo de 180 dias após o deferimento, as dívidas têm sua exigibilidade suspensa, não podendo serem cobradas por nenhum credor que estiver sujeito ao plano de recuperação.

Eventuais ações de execução em curso também são suspensas, e a empresa fica protegida de expropriação de bens ou esvaziamento do caixa, que poderia ocorrer em decorrência de penhoras ou leilões.

O plano de recuperação deve detalhar os meios pelos quais a empresa pretende superar a crise econômico-financeira que justificou o pedido, indicando eventual venda de ativos, unidades produtivas, deságio, carência, repactuação das taxas de juros e prazos mais longos para quitação.

 A assembleia de credores é quem decide sobre a proposta de recuperação apresentada pela empresa e, em alguns casos, atendidas algumas condições, o próprio juiz é quem aprova o plano (cram down), impondo seus termos a todos os credores.

Enfim, a recuperação judicial é sim uma ferramenta a ser fortemente considerada pelas micro e pequenas empresas diante da dificuldade de manter suas atividades, especialmente quando essa dificuldade esteja prestes a se transformar em impossibilidade.

Eduardo Pires

 

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