Lei de 2018 permite que bens fiquem indisponíveis após inscrição em Dívida Ativa

 

Após um destaque do ministro Alexandre de Moraes, foram retiradas do julgamento virtual do Supremo Tribunal Federal (STF) na última segunda-feira (8/6) a ADI 5881 e as demais ações que questionam a constitucionalidade da lei de 2018 que autoriza a União a fazer o bloqueio bens de devedores sem autorização judicial.

O relator das ações, ministro Marco Aurélio, votou a favor dos interesses dos contribuintes. As ADIs 5881, 5886, 5890, 5925, 5931 e 5932 são julgadas conjuntamente.
Por meio do instrumento chamado de averbação pré-executória, bens como imóveis e veículos podem ser executados depois de o débito tributário ser inscrito na Dívida Ativa da União. Após a localização do bem, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) fica autorizada a notificar o devedor, que tem cinco dias úteis para quitar o débito. Caso contrário, o bem fica indisponível para venda.

A previsão está no artigo 25 da lei 13.606/2018, regulamentado pela portaria PGFN 33/2018. O dispositivo ainda permite que a Fazenda comunique a inscrição em Dívida Ativa a serviços de proteção do crédito e averbe a Certidão de Dívida Ativa (CDA) nos órgãos de registro de bens sujeitos a arresto ou penhora, tornando-os indisponíveis.

A permissão para bloqueio sem autorização judicial foi incluída na lei que instituiu o Refis do Funrural no governo Michel Temer.

Marco Aurélio: sanção política
Antes do destaque de Moraes, estava disponível no site do STF o voto do relator do caso. O ministro Marco Aurélio atendeu ao pedido dos contribuintes para considerar inconstitucional o trecho da lei de 2018, por entender que a averbação da CDA é uma sanção política que coage o devedor a pagar os débitos tributários.
De acordo com a resolução 642/2019 do STF, o pedido de destaque retira o processo do ambiente virtual e faz com que, no plenário físico, o julgamento seja reiniciado. Não há data prevista para que as ações sejam colocadas em pauta.

No voto, o relator chamou a averbação pré-executória de “verdadeiro desvirtuamento do sistema de cobrança da Dívida Ativa da União”, por permitir uma espécie de execução administrativa e unilateral de débitos. O bloqueio sem autorização judicial, segundo o ministro, é incompatível com os princípios constitucionais do contraditório, da ampla defesa, do devido processo legal, da razoabilidade e da separação dos poderes.

“O sistema não fecha, revelando-se o desrespeito aos princípios da segurança jurídica, da igualdade de chances e da efetividade da prestação jurisdicional, os quais devem ser observados por determinação constitucional, em contraposição à ideia da ‘primazia do crédito público’” escreveu.

Segundo o ministro, a averbação de CDA é uma “nítida sanção visando o recolhimento de tributo” e a Fazenda deve abandonar “a prática de fazer justiça pelas próprias mãos”.

“Qual a finalidade pretendida pelo legislador ao editar os preceitos questionados senão induzir, mediante ato de império, o devedor a satisfazer o débito existente?”, questionou. O relator comparou o bloqueio unilateral a sanções políticas como a interdição do estabelecimento e a apreensão de mercadorias.

Ainda de acordo com o ministro Marco Aurélio, a averbação de CDA também possui problemas formais. Isso porque foi instituída por lei ordinária, enquanto cabe à lei complementar estabelecer normas gerais de Direito Tributário. “O ato atacado não se limitou a disciplinar mera regra de procedimento de cobrança de tributos. Antes, ampliou o rol de instrumentos franqueados ao fisco voltados à satisfação do crédito, conferindo-lhe novo atributo mediante a garantia da indisponibilidade dos bens do devedor”.

Para o relator, o trecho é um “dispositivo estranho” na lei que institui o parcelamento especial do Funrural. O ministro ressalta que a autorização foi incluída nos menos de 20 dias da tramitação de urgência do projeto de lei 9.206/2017, apresentado depois de caducar a MP 793/2017, por meio da qual o Executivo propôs o Refis do Funrural.

“O cenário descrito é de molde a reconhecer o ambiente de crise legislativa há tempos instalado no âmbito da frágil democracia brasileira, marcada pela frequente opção por atalhos à margem da Lei das leis, a Constituição Federal – o que, na quadra vivenciada, tem se mostrado regra, e não exceção”, lê-se no voto.

Fonte: Jota | JAMILE RACANICCI

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