7 anos da lei dos meios de pagamento: atemporalidade, vanguarda e segurança jurídica

No sétimo aniversário da Lei nº 12.865/13, reunimos grandes nomes para refletir sobre o papel que ela tem desempenhado em prol da evolução dos negócios no Brasil

Há exatos sete anos, no dia 9 de outubro de 2013, a Lei nº 12.865 era sancionada. Sob uma ótica estritamente legal, significa dizer que o mercado de pagamentos brasileiro foi brindado com um regime jurídico específico aplicável aos arranjos e instituições de pagamento – i.e., um marco regulatório destinado aos conjuntos de regras responsáveis por disciplinar transações de pagamento e às instituições que, aderindo às referidas regras, viabilizam a oferta dessas transações no Brasil.

Na prática, observa-se um mercado pujante e inovador que, a cada dia, tem se desenvolvido após o advento da Lei nº 12.865/13, disciplinado por regras do Banco Central publicadas com base em suas disposições.

Neste sétimo aniversário, nada mais justo que reunir reflexões reconhecendo o relevante papel que o texto legal que homenageamos tem desempenhado em prol da evolução dos meios de pagamento no Brasil.

Nos próximos dias, juntam-se a mim, com sete outras análises, os notáveis autores e especialistas da indústria Bruno Balduccini e Marcelo Junqueira de Mello, Bruno Meyerhof Salama, Eduardo Salomão Neto, Ilan Goldfajn, João Manoel Pinho de Mello e Ricardo Teixeira Leite Mourão, Larissa Lancha Alves de Oliveira Arruy e Luciana Moreira Kanarek, e Louangela Bianchini Colquhoun.

Que venham os próximos anos! Afinal, foram apenas sete, ainda há muito por vir.

Segue aqui a minha contribuição ao debate.

Arrisco-me a dizer que três fatores foram determinantes para que a Lei nº 12.865/13 tenha se revelado um catalisador do crescimento exponencial da oferta dos meios eletrônicos de pagamento no País. São eles: (a) atemporalidade, já que a sua natureza eminentemente principiológica consubstanciou conceitos atemporais; (b) publicação de um arcabouço regulatório de vanguarda, ao atribuir competência ao Banco Central do Brasil para, sob as diretrizes do Conselho Monetário Nacional, regular e fiscalizar arranjos e instituições de pagamento; e (c) ampliação da segurança jurídica conferida aos participantes do setor, os seus investidores e os seus clientes – que são usuários finais pagadores e recebedores.

(a) Atemporalidade
Ao definir arranjo de pagamento, o art. 6º, da Lei nº 12.865/13, tutela os conjuntos de regras instituídos por pessoas jurídicas que viabilizam transferências de recursos por pagadores a recebedores. Assim, recepciona no novo regime jurídico as regras estabelecidas por bandeiras de cartão de crédito, débito e pré-pago para conectar portadores e varejistas. Da mesma forma, recepciona aquelas até então definidas pelo Banco Central para emissão e recebimento de TEDs, DOCs e boletos. Passados sete anos, essa é a base legal necessária para o Banco Central disciplinar os pagamentos instantâneos, ao instituir as regras do Pix – que será lançado no próximo mês, conforme a Resolução BCB nº 1/2020.

Nesse sentido, a referida lei concebe a criação – por instituidores de arranjo de pagamento – das mais diversas plataformas, redes e aplicações regidas por diferentes regras a fim de viabilizar a realização de pagamentos, sejam elas operadas por conglomerados financeiros tradicionais, FinTechs, BigTechs, ou pelo próprio regulador financeiro.

Ao conceituar instituição de pagamento, o texto legal apresenta um rol ilustrativo de serviços típicos que caracterizam a atuação dessas novas instituições, cabendo ao Banco Central designar quaisquer outras atividades também relacionadas à prestação de serviços de pagamento. Para tanto, ato contínuo a sua publicação, são enquadradas como instituições de pagamento as credenciadoras (prestadoras de serviços de credenciamento de cartões); as emissoras de moeda eletrônica (gerenciadoras de contas de pagamento para aporte, transferência e saque de recursos em reais); e as emissoras de pós-pago (emissoras de cartões de crédito). Sete anos após sua sanção, conforme aponta a recente minuta de norma submetida a consulta pública, será a Lei nº 12.865/13 a base legal para a criação, pelo Banco Central, em linha com as suas atribuições, de nova modalidade de instituição de pagamento, a iniciadora de transação de pagamento. Tal figura já é regulada no arcabouço europeu como payment initiation service provider (PISP), pois é responsável pela inicialização de transações de pagamento em ambientes terceiros, atuando no âmbito do Sistema Financeiro Aberto (Open Banking) – que será implementado no Brasil de acordo com a Resolução Conjunta CMN e BCB nº 1/2020.

Concomitantemente, ao delinear conta de pagamento como a conta de registro detida em nome de um cliente para a execução de transações, gerida por uma instituição de pagamento, confere liberdade para o uso das mais diversas tecnologias para o armazenamento dos recursos em reais – moedas eletrônicas – aportadas nas referidas contas do tipo pré-paga. Uma das tecnologias pode ser inclusive o blockchain – que, neste caso, nada se relaciona com seu uso paralelo como infraestrutura de criptomoedas[1].

(b) Arcabouço regulatório de vanguarda
Nos termos do §2º, do seu art. 6º, a Lei nº 12.865/13 indica de forma cristalina que instituições de pagamento não apresentam natureza financeira, vedando a realização de atividades privativas de instituições financeiras e, consequentemente, afastando o arcabouço regulatório até então vigente publicado pelo CMN e Banco Central sob a Lei nº 4.595/1964. Assim, estabelece regime jurídico próprio aos arranjos e instituições de pagamento.

Nesse sentido, ao contemplá-los na esfera do Sistema de Pagamentos Brasileiro – compreendido até então, nos termos da Lei nº 10.214/2001, pelas infraestruturas de mercado financeiro –, a Lei nº 12.865/13, em seu art. 7º, orienta a regulação financeira aplicável a esses novos entes em prol da observância de determinados princípios. Dentre eles, a confiabilidade, a qualidade e a segurança dos serviços de pagamento; o atendimento às necessidades de seus usuários finais; a promoção da competição; a inclusão financeira; a eficiência; e o dever de assegurar a capacidade de inovação e a diversidade dos modelos de negócios para oferta de soluções de pagamento. Como exemplo do seu devido cumprimento, menciona-se a publicação da Circular BCB nº 3.887/2018 que, fundamentada pelo princípio do atendimento às necessidades de seus usuários finais, regulamenta a tarifa de intercâmbio devida aos emissores de cartões em razão das regras estabelecidas por bandeiras de cartão de débito.

Nessa direção, o art. 9º da lei em questão confere competência ao Banco Central para regular e fiscalizar os arranjos e instituições de pagamento, o que gerou uma série de normas de vanguarda que, pautadas pelos princípios acima destacados, disciplinam: (i) a autorização dos arranjos de pagamento; (ii) a constituição, o funcionamento e as reorganizações societárias de instituições de pagamento, bem como a descontinuidade e os limites na prestação de seus serviços; (iii) o estabelecimento de condições para a posse e o exercício de cargos em órgãos estatutários e contratuais em instituição de pagamento; (iv) o exercício da vigilância sobre os arranjos de pagamento e a supervisão das instituições de pagamento, incluindo a aplicação das sanções cabíveis e a adoção de medidas preventivas, com o objetivo de assegurar solidez, eficiência e regular funcionamento; (v) a cobrança de tarifas, comissões e qualquer outra forma de remuneração referentes a serviços de pagamento, dentre outras. A título exemplificativo, destacam-se a Circular BCB nº 3.682/13, que trata dos arranjos de pagamento, incluindo aspectos relativos à governança e transparência; a Circular BCB nº 3.681/13, que versa sobre os mecanismos de gerenciamento de riscos a serem adotados por instituições de pagamento; e as Circulares BCB nºs 3.856/2017, 3.865/2017 e 3.909/2018, que tratam sobre a implementação de auditoria interna, compliance e política de segurança cibernética por instituições de pagamento, respectivamente.

Vale pontuar que a competência em tela não impacta as atribuições legais do Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência, conforme indica o próprio §5º, do art. 9º. Aliás, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica tem desempenhado papel central na evolução da indústria de pagamentos, a partir da abertura de uma série de investigações: algumas ainda em curso, outras já encerradas a partir da assinatura de Termos de Compromisso de Cessação de Conduta por agentes dominantes do mercado.

(c) Ampliação da segurança jurídica
A partir da publicação da Lei nº 12.865/13, a indústria brasileira de pagamentos, assim como os seus investidores e, sobretudo, os seus clientes, deparou-se com uma legislação que conferiu prerrogativas relevantes em favor da segurança do setor.

Nos termos dos artigos 11 e 13, as infrações às normas do Banco Central que regem os arranjos e as instituições de pagamento sujeitam o instituidor de arranjo de pagamento e a instituição de pagamento, os seus administradores e os membros de seus órgãos estatutários ou contratuais às penalidades previstas na Lei nº 13.506/2017 (Lei do Processo Administrativo Sancionador), assim como as instituições de pagamento sujeitam-se ao regime de administração especial temporária, à intervenção e à liquidação extrajudicial. Ambas as provisões estabelecem regime comum ao aplicável às instituições financeiras.

Ainda, de acordo com o art. 12, os recursos mantidos em contas de pagamento por clientes de instituições de pagamento constituem patrimônio separado. De tal modo, não respondem direta ou indiretamente por nenhuma obrigação da instituição, nem podem ser objeto de arresto, sequestro, busca e apreensão ou qualquer outro ato de constrição judicial em função de débitos de seu responsabilidade; não compõem seu ativo para efeito de falência ou liquidação judicial ou extrajudicial; e não podem ser dados em garantia de débitos por ventura assumidos. Recentemente, inclusive, a Lei nº 14.031/2020 alterou a Lei nº 12.865/13 ampliando o escopo da proteção jurídica vigente, conferindo destinação específica ao fluxo de pagamento da transação com cartão, considerando que uma série de direitos creditórios distintos surgem entre as instituições participantes do arranjo até o pagamento do recebedor.

Considerações finais
É nesse contexto que, atualmente, conforme indica o Banco Central, integram a indústria de meios de pagamento 41 arranjos de pagamento autorizados a funcionar pelo BCB, 7 em análise e 181 não integrantes do Sistema de Pagamentos Brasileiro[2], assim como 26 instituições de pagamento[3] autorizadas a funcionar pelo BCB, além de dezenas outras que instruíram pedido de autorização, atualmente em análise, ou que ainda não alcançaram a volumetria indicada na regulamentação aplicável necessária à instrução de pedido.

Ademais, em 2019, somente no âmbito dos cartões, o volume total de transações de pagamento domésticas realizadas por meio de cartões de crédito alcançou cerca de R$ 1,08 trilhões e, de débito, R$ 668 bilhões[4], totalizando mais de R$ 1,6 trilhões.

Isso quer dizer que o mercado tem se desenvolvido intensamente após o advento da Lei nº 12.865/13, e a publicação da regulamentação pelo Banco Central com base em suas disposições tem, certamente, desempenhado papel central nessa evolução.

Vida longa ao mercado de meios de pagamento.

Fonte: JOTA

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