Responsabilidade empresarial (ou social)

em tempos de crise causada pela pandemia do novo coronavírus

Na  sexta-feira (17/04), o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, suspendeu uma liminar concedida pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) que, por sua vez, concedia moratória do ICMS para uma empresa controlada pela Camargo Corrêa.

Vale esclarecer que a moratória tributária, de modo geral, importa na concessão de prazo para pagamento do tributo, o que é feito pelo próprio Poder Público (União, Estados ou Municípios), na condição de credor da obrigação tributária, conforme as regras do Código Tributário Nacional.
Além de autorizar o não pagamento, a decisão do TJSP proibia o governo paulista de aplicar multas à empresa pelo não pagamento do tributo, bem como exigia que o estado incluísse a dívida em um programa de parcelamento de débitos, sem a aplicação de juros.

Segundo o ministro, a permissão do adiamento do pagamento do ICMS poderá acarretar “grave lesão à ordem público-administrativa e econômica no âmbito do estado de São Paulo”, uma vez que poderia ser ela potencialmente estendida a milhares de outras empresas. 

Dias Toffoli acrescentou ainda que: “não cabe ao Poder Judiciário decidir quem deve ou não pagar impostos, ou mesmo quais políticas públicas devem ser adotadas, substituindo-se aos gestores responsáveis pela condução dos destinos do Estado, neste momento”.
Após a deflagração da crise, inclusive com o reconhecimento do estado de calamidade pública pelo Congresso Nacional, várias empresas, de fato, tem ingressado com ações no Judiciário para obterem moratória de suas obrigações tributárias, tendo em vista que muitas delas, inclusive, tiveram suas receitas praticamente zeradas.
E diante da ausência de faturamento, como pagar tributos?
Não há como ignorar que a situação de pandemia do novo coronavírus impôs drásticas alterações na rotina de todos, atingindo a normalidade do funcionamento de muitas empresas e do próprio Estado, em suas diversas áreas de atuação.
Nessa ordem de ideias, a concessão de moratória tributária é tendência mundial. É o que mostra levantamento feito pelo Núcleo de Tributação do Insper, segundo qual medidas de diferimento de tributos foram adotadas por 36 países em todo o planeta, por conta da pandemia do coronavírus .

Por outro lado, conforme interessante matéria publicada no portal Poder360 , as doações realizadas por empresas, associações e campanhas de arrecadação para combater o avanço do coronavírus no Brasil ultrapassam 3 bilhões de reais, o que equivale ao acumulado de 1 ano inteiro de filantropia no país, de acordo com relatório da ONU (Organização das Nações Unidas), lançado em 2017, que indicava queda ano a ano na filantropia no Brasil. As doações totalizavam R$ 2,9 bilhões em 2016: 

materia 4 maio

A reflexão proposta diante das duas situações aparentemente contraditórias (busca de moratória fiscal x doação espontânea) é a seguinte: haveria uma responsabilidade por parte das empresas no que diz respeito ao financiamento das medidas de combate da crise causada pela pandemia do novo coronavírus?

Embora a questão seja posta mesmo para reflexão, importante lembrar que a Constituição da República, que impõe os princípios fundamentais do Estado Brasileiro, define que os objetivos dele são, dentre outros, a erradicação da pobreza e da marginalização; redução das desigualdades sociais e regionais; promoção do bem de todos.

Em momento seguinte, essa mesma Constituição Federal, estabelece a ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, que tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social. Diante dos preceitos referidos, propõe-se ainda outra questão: cabe conceder moratória fiscal irrestritamente a quaisquer empresas?

Ou espera-se de algumas, além de contribuições “espontâneas” baseadas num senso de responsabilidade social, que mantenham integralmente o pagamento dos tributos que lhes cabem, justamente para manter o sistema universal de arrecadação fiscal do Estado para que esse, por sua vez, tenha instrumentos (e caixa) para se movimentar na busca dos objetivos marcados na Constituição e, em tempos de crise sanitária, implementar as medidas necessárias ao combate do seus efeitos?

Parece-nos, sinceramente, que a reflexão que ora propomos faz parte de uma série de outras tantas que se farão inevitáveis a partir de agora, quando, mais do que nunca nos últimos 100 anos, será preciso repensar o sistema de responsabilidade social frente aos preceitos do capitalismo, a cuja essência deverá ser agregado, daqui por diante, uma indissociável noção de solidariedade, como se tem visto mundo afora. 

Há poucos dias (17/04), o STF cassou liminar pela qual o TJSP, no processo nº 2062467-83.2020.8.26.0000, concedeu moratória do ICMS em favor da Intercement Brasil S/A, controlada pela Camargo Corrêa, sob o fundamento de que: “não cabe ao Poder Judiciário decidir quem deve ou não pagar impostos, ou mesmo quais políticas públicas devem ser adotadas, substituindo-se aos gestores responsáveis pela condução dos destinos do Estado, neste momento”.
Neste mesmo dia, entretanto, as empresas Folha de São Paulo, UOL, PagSeguro e Datafolha obtiveram, por decisão liminar deferida pela desembargadora Mônica Serrano, da 14ª câmara de Direito Público, do mesmo TJSP, moratória, por 60 dias, do ISS e do IPTU, embora aleguem, nos autos do processo nº 2067266-72.2020.8.26.0000, que a medida requerida (e deferida), não se trate de moratória, mas sim de pleito de suspensão da exigibilidade do crédito tributário, para viabilizar a manutenção de suas atividades empresariais e consequente emprego de seus colaboradores, dentre outros argumentos.
Entretanto, conforme matéria veiculada pela própria FSP em 24/01/2018 (https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2018/01/1953176-pagseguro-dispara-36-na-estreia-na-bolsa-de-nova-york.shtml), a PagSeguro, ao fazer oferta inicial de ações (IPO) na Bolsa de Nova York, captou, naquela oportunidade, US$ 2,3 bilhões de dólares, equivalentes, no câmbio atual, a R$ 12,19 bilhões de reais, deixando, no mínimo, margem de dúvidas quanto à afirmação da existência de dificuldades financeiras para a manutenção de suas atividades sem prejuízo do emprego de seus colaboradores.

Diante disso, insistimos na questão: qual a responsabilidade empresarial (ou social) de cada empresa no cumprimento de suas obrigações (inclusive de manter os níveis de arrecadação tributária) em tempos de crise sanitária e econômica causadas pelo novo coronavírus?

fontes:
https://www.migalhas.com.br/quentes/325274/empresas-como-folha-de-spaulo-uol-e-pag-seguro-conseguem-suspensao-do-pagamento-de-iptu-e-iss-por-60-dias
https://www.conjur.com.br/2020-abr-10/moratoria-tributaria-durante-pandemia-tendencia-mundial
https://www.poder360.com.br/economia/com-r-31-bi-doacoes-contra-covid-19-no-brasil-ultrapassam-1-ano-de-filantropia/

Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:

I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;
II - garantir o desenvolvimento nacional;
III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;
IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

Por Eduardo Pires

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